quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

MINHA HOMENAGEM SINGELA AOS NEGROS

PORTA DE GORÉE

Disse-nos Castro Alves sofrida e inspiradamente em seu poema “O Navio Negreiro”:

“...Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é mentira...se é verdade
Tanto horror perante os céus?
...”

Kofi estava sentado à beira do desfiladeiro, sobre rocha granítica. Balançava seus pés e seus braços apoiavam-se na rocha, o vento lhe roçava a fronte. Não tinha nada e por isso nada tinha a cuidar. Contemplava o abismo a sua frente, lá embaixo o rio parecia um córrego. Pequenos pássaros, com seus cantos silvestres, quebravam a monotonia do silêncio. As  decisões de Kofi, nos últimos tempos, tinham sido desastrosas. Falira, sua empresa se fora como água pelo ralo. Afastara-se das pessoas, num ostracismo consciente. Não tinha mais ânimo, não queria mais viver, por isso estava, agora, ali. No turbilhão dos seus pensamentos, aflorou, entre outros, o que havia visto em Gorée, a ilha símbolo da escravidão africana. E nela a prisão onde eram trancafiados os negros que seriam exportados da África para o mundo. Lá havia, e há ainda como espada viva, a “porta da viagem sem retorno”. Era por onde passavam os negros escravos, dos porões dessa prisão para os navios negreiros que os levariam para além mar, às terras onde seriam escravizados. Kofi sentia a dor do negro que partia. Atrás da porta deixava sua vida, sua liberdade, suas crenças, sua tribo, seus amigos e parentes, sua terra. Após a porta, bem não sabia, o negro, o que realmente o aguardava, a não ser a certeza de sua escravidão. Fome, chagas pelo corpo, dor na alma. Kofi, tinha uma forte dor na alma. Nunca soube lidar bem com sua cor negra. Na faculdade, poucos amigos tinha, um ou outro, era mais chegado. Brilhante aluno, admirado pelos professores, mas sempre casmurro. Formado, trabalhou em algumas empresas, mas não se adaptava às regras e horários. Por fim, montou sua empresa de exportação de calçados e prosperou. Quis conquistar a África, pois sabia ter lá potenciais consumidores, mas sobretudo retornar para resgatar não sabia bem o quê talvez, aniquilar a nostalgia de seu espírito. Mas, não deu certo, perdeu a empresa para os sócios que se aproveitaram de sua inexperiência. A porta de Gorée, para Kofi, agora, era aquele precipício a sua frente, mas com uma diferença, ele sabia o que lhe esperava após transpô-la: a liberdade! Olhou para o céu e viu um enorme gavião planando ao sabor do vento. Subia e descia em longos círculos. Pensou: “É esta liberdade que eu quero!”. Levantou-se, recuou alguns passos e jogou-se no precipício, ao mesmo tempo que ouvia uma voz feminina a gritar desesperadamente por seu nome. Kofi, num relance, pode ver aquela que sempre amara, mas não tinha tido a coragem de confessar o seu profundo amor. “ Mas, como poderia se ela era loira?” Fechou os olhos, apertou as pálpebras e esperou. Ouviu pela última vez a voz amada repetir o seu nome em eco desesperador pelas paredes do abismo. Ainda teve tempo de pensar em algumas coisas e figuras humanas negras, vultos grandiosos iam desfilando celeremente nos seus pensamentos: Mandela, Marther Luther King, Joaquim Barbosa, Kofi Annan, seu pai.
Não pensou mais!
Libertou-se, como desejava!
Um grito estridente do gavião voador ecoou pelos penhascos.
Ela, horrorizada, na beira do abismo, viu o corpo de sue amado cair velozmente e diminuir de tamanho desaparecendo nas águas do rio.


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