terça-feira, 8 de abril de 2014

JULGAMENTO TRIBAL



O Conselho Tribal estava reunido para  julgar três jovens índias da tribo.
Toda a tribo estava em volta. Casualmente, nesse julgamento, haviam dois segmentos formados, de um lado se agrupavam as índias e de outro os índios o que não era comum de acontecer. Sempre, nos julgamentos da tribo, índios e índias se misturavam
O Grande Chefe, iniciando os trabalhos, anunciou, solenemente, o motivo do julgamento. Antes pediu que as três jovens se levantassem e jurassem dizer a verdade. E foi o que fizeram. Então o Grande Chefe deu a palavra aos Conselheiros da Tribo para que iniciassem as perguntas.
O primeiro Conselheiro indagou:
- O que é que vocês estavam usando?
Silêncio...
- Respondam, o que vocês estavam usando:?
- Chama-se “Pakova-Ju’a”, respondeu uma delas.
Ouve-se um murmúrio entre as índias.
O Grande Chefe pediu silêncio e fez sinal para que outro Conselheiro fizesse a sua pergunta.
- Vocês não aprenderam com suas mães que a índia tem que andar nua?
Novo silêncio...
Ouve-se um protesto. Alguma índia da tribo gritou: “Esse julgamento não é justo!”
Silêncio mortal...
O Grande Chefe, levantou-se, com o cajado em riste e indagou furioso:
- Quem foi que falou? Qual mulher ousou interromper o julgamento?
- Fui eu, respondeu a mulher do Grande Chefe, levantando-se no meio das índias.
Um imenso murmúrio se espalhou em vozes entre as índias.
Um guerreiro vociferou:
- Ela deve ser punida.
Novo silêncio mortal...
O Grande Chefe estremeceu, baixou o cajado. Longo silêncio se fez.
Por fim a sentença:
- Esse julgamento é justo e vai continuar. Quem se opuser será lançado às formigas e seu corpo banhado em mel.
Prossiga o julgamento, Conselheiro.
Repito a pergunta, disse o Conselheiro:
- Vocês não aprenderam com suas mães que a índia tem que andar nua?
Todas as três, em julgamento, concordaram com um movimento de cabeça.
Como era de costume no Conselho Tribal, cada Conselheiro tinha direito a uma só pergunta.
Levantou-se o terceiro Conselheiro e indagou às jovens?
- Por quê vocês resolveram usar esse tal de “Pakova -Ju’a”?
A mais jovem apressou-se a responder:
- Peço permissão para usarmos, agora, para que os senhores Conselheiros avaliem melhor.
Neste momento, do lado masculino, ouve-se, um “Ohhhh ! prolongado.
As índias aplaudem...
- Silêncio! Ordena o Grande Chefe. Vamos fazer um intervalo. Os Conselheiros me sigam até a minha tenda. Levem as rés para a tenda prisão. Ninguém fale com elas.
Chegando à tenda o Grande Chefe, pegou o cachimbo, colocou o fumo e a erva destinada aos momentos de grande decisão e, após aceso, aspirou bem fundo a fumaça da queima do fumo e da erva. Tragou mais duas vezes, passou o cachimbo aos Conselheiros e ordenou que tragassem apenas duas vezes o que foi feito pelos cinco Conselheiros. Quando o último lhe devolveu o cachimbo o Grande Chefe deu mais três tragadas e a fumaça escondeu seu rosto. Quando a fumaça se dissipou, os olhos do Grande Chefe estavam fechados. Todos os cinco Conselheiros esperavam a decisão do seu chefe.
Depois de um longo período calado, abrem-se os olhos do Grande Chefe e de sua boca, em voz roufenha, sai a pergunta aos Conselheiros:
- Devemos permitir que elas usem o “Pakova– Ju’a”” no julgamento?
Os Conselheiros estremeceram. Como o Grande Chefe deixava para eles a decisão?
Um deles se atreveu a responder:
- Mas, Grande Chefe, isso vai ser muito perigoso.
- Como perigoso? Argüiu o Grande Chefe.
- O “Pakova-Ju’a” é um atentado aos nossos costumes. Como permitir que elas façam essa demonstração  Vai aguçar a sexualidade de nós todos, principalmente, dos jovens. Podem ocorrer muitos estupros pela mata a fora. 
- Mas, é exatamente isso que elas querem provar com o pedido delas. 
O Grande Chefe não entendeu de novo e pediu que o Conselheiro explicasse.
- Pois, Grande Chefe, elas querem provar que o índio que é o sem-vergonha. 
Os outros Conselheiros protestaram. Armou-se um início de confusão. O grande Chefe, usou o seu apito para impor silêncio e anunciou sua decisão:
- Vamos permitir que elas usem o “Pakova-Ju’a” e façam a sua demonstração e, então, daremos nosso veredito.
Depois de estarem todos acomodados em seus devidos lugares, mandou o Grande Chefe que trouxessem as rés.
Alguns minutos de silêncio interrogativo e o Grande Chefe anunciou a decisão do Conselho:
- As rés podem usar os seus “Pakova-Ju’a” para que possamos julgar melhor.
Um tremendo alvoroço na platéia. Os jovens da tribo, assobiavam, algumas batiam palmas, índias mais velhas apupavam. Foi difícil conter os ânimos.
O Grande Chefe chamou os guardiões da tribo, mandou prender os mais exaltados e aos poucos a indiada foi se acalmando.
Nesse ínterim as jovens, em julgamento, já haviam colocado o seus “Pakova-Ju’a” que consistiam de uma folha de bananeira na frente  e outra atrás, cortadas na forma de coração, as quais cobriam as partes íntimas. Também cobriam os seios, agora, com duas folhas de amora, bem escolhidas.  Começaram a desfilar na frente dos Conselheiros e  do Grande Chefe, sob as aplausos da platéia. 
- Chega! gritou o Grande Chefe.
Repetiu-se o silêncio mortal...
O Grande Chefe pegou o cachimbo que havia trazido, deu três longas baforadas. Olhou para os Conselheiros que não tiravam os olhos das três rés. Estas estavam petrificadas esperando o veredito do Grande Chefe. O povo todo aguardava. Ouvia-se a respiração do Grande Chefe que não parava de fumar. Em sua cabeça desfilava a imagem de sua mulher, na tenda, usando esses tais de “Pakova-Ju’a”. Fumava e fumava. O suor escorria-lhe pela testa. Suas entranhas fervilhavam, seu coração batia forte.
Por fim, sua voz nervosa ecoou:
- Vão buscar o Pajé!
Um dos Conselheiros ousou dizer:
-   O Pajé não é Conselheiro!
-  Mas, é o guardião dos bons costumes da tribo, respondeu outro.
- Silêncio, ordenou o Grande Chefe, vão buscar o Pajé!
As índias, em julgamento, estremeceram. Uma murmurou com a outra “Agora, seremos queimadas vivas!” A mais jovem começou a chorar e foi consolada pelas outras duas. ”Pelo menos, fizemos o que queríamos. Vamos ser lembradas como pioneiras”. “De que vale ser pioneira morta!”. “Vou tomar veneno antes de ir para a fogueira”. E assim confabulavam quando chegou  o Pajé.
O Grande Chefe inteirou o Pajé do que se tratava o julgamento e pediu a sua sentença, como guardião dos bons costumes da tribo.
O Pajé tinha trazido junto suas ervas purificadoras. Mandou que as rés se abraçassem uma de frente para a outra, fez um círculo, ao redor delas, com as ervas. Colocou fogo nas mesmas e uma fumaça aromática envolveu as índias pecadoras. Fez as suas rezas, andou ao redor das jovens e, por fim, parou diante do Grande Chefe e iniciou o seu discurso:
- Grande Chefe, vós que tendes conduzido essa tribo com tanta sabedoria, mais uma vez, soube recorrer aos espíritos protetores da tribo para tomar uma decisão. E nossos Conselheiros Espirituais estão dizendo que essas jovens são inocentes. E dizem mais que essa tribo de agora em diante terá muitos mais descendentes, crescendo a fertilidade masculina, pois haverá muito mais desejo entre índios e índias. O “Pakova-Ju’a” chegou na hora certa. Novos tempos são chegados. O mundo se transforma e nossa tribo deve acompanhar essas mudanças.
- Mas, Pajé, todas as índias deverão usar “Pakova – Ju’a”?, indagou um dos Conselheiros.
- Ah! Isso fica por conta delas.
- E os guerreiros, Pajé?
-  Usem o que quiserem.
E o Pajé se recolheu para sua tenda.
O povo se levantou em tremendo alvoroço, em altos berros comemoravam com alegria os novos tempos.
O Grande Chefe deu por encerrado o julgamento e viu as rés correndo em direção as suas tendas e os jovens índios atrás, eufóricos.
Á noite, o Grande chefe trouxe de presente para sua mulher umas folhas de bananeira e outras de amoreira....
Na manhã seguinte, o guardião da horta veio se queixar para o Grande Chefe que alguém tinha roubado muitas folhas das bananeiras e o único pé de amora da tribo não tinha mais folhas...
O Grande Chefe, olhando para o céu, deu três tragadas no seu cachimbo e lançou a fumaça, com força, em direção às nuvens, respondendo ao guardião da horta, com voz firme e renovada: “Diga para o povo que os novos tempos são chegados! Ah! Plante mais amoreiras!”...
Três meses se passaram e o Grande Chefe mandou chamar o índio mais sábio da tribo e ordenou que o mesmo fizesse um levantamento para verificar se houve um aumento das grávidas na tribo e quantos concordavam com o uso do “Pakova-Ju’a”.
Uma semana depois voltou o sábio índio com a resposta estatística:
- “90% das índias estavam grávidas e 96% concordavam que as índias usassem Pakova-Ju’a”
O Grande Chefe olhou, nessa noite, para a lua que estava toda faceira no céu, lançou  três baforadas de seu cachimbo em direção a ela: e pensou: “Vai ser sob a lua, na montanha. Ela vai engravidar!” E sorriu marotamente para a lua cheia.






quinta-feira, 3 de abril de 2014

Trazendo recordações-Janelas para o passado



Sob os auspícios da saudade, um sentimento que nos conforta e nos coloca num estado de espírito surreal, um tanto inexplicável, lembrava-me, muitas vezes, de três filmes que fizeram parte de minha juventude, um pouco tardia, por razões da vida, são eles: Doutor Jivago, A Ponte do Rio Kwai e Assim Caminha a Humanidade. Todos os três intensos e de histórias magníficas, ainda mais para corações sonhadores, onde me incluía e quem sabe, embora a idade, me inclua ainda, pois sonhar é um privilegio dos corações errantes. Tanto era o desejo de rever esses filmes que fui para a Internet pesquisar e eis que comigo se encontram. Revi os três filmes e as mesmas emoções afloraram em mim, claro que mais calmas, mais meditativas. Quando vi “Doutor Jivago”, fiquei tão impressionado que deixei crescer um bigode igual ao dele, e assobiava o tema de Lara nos momentos de nostalgia. “Tema de Lara” que belíssima música, ainda me emociono quando a ouço. Agora mesmo, enquanto escrevo, os seus acordes soam em minh’alma. Revendo “Doutor Jivago”, revejo a mim mesmo, passa um filme daquele tempo de transformações sociais em que a humanidade se debatia, mas o amor entre dois seres apaixonados superava tudo. “Doutor Jivago” vai me acompanhar para sempre.

“Assim Caminha a Humanidade”, filme estrelado por Elisabeth Taylor e Rock Hudson, como protagonistas principais, e o jovem James Dean que mais tarde estrelaria “Juventude Transviada”,que deu inicio a uma metamorfose que grassou no seio da juventude da época. Também um belo filme. Mas, “Assim Caminha a Humanidade”, foi a história que já naquela época trabalhou o tema do racismo, ainda hoje tão em voga, infelizmente. Infelizmente, atravessei todo esse tempo de minha vida assistindo bestiais intolerâncias entre seres humanos. Este filme, traz-me a recordação, também, de outro tema bem atual, a luta da mulher contra a incompreensão masculina. Ainda o amor venceria todos esses preconceitos. Quão lentos somos nós, humanidade, nos caminhos da evolução moral. E o título do filme é ainda bem atual:e assim caminha a humanidade e assim caminhamos.
“A Ponte do Rio Kwai”, com William Holden e Alec Guineness, grandes atores, inesquecíveis atores. Este filme foi o primeiro que vi com minha namorada, futura esposa. Aprendi muito com a história, altivez, coragem, persistência, e sobretudo solidariedade e algo difícil de entender, nos dias de hoje, negociação para a sobrevivência de um ideal contra um realismo frio e cruel.
Como não ser feliz quando tendo o privilegio de ter vivido e vivenciado momentos tão preciosos. É preciso, por vezes, abrir janelas e deixar o passado penetrar para revigorar nossas energias. Não se trata de viver no passado e sim trazer recordações de momentos que não voltarão jamais, e que ajudaram a construir nossa vida. Recordar emoções que moldaram o nosso coração, ensinamentos que ajudaram a moldar o nosso caráter. Aprendia-se em casa, no cinema, na escola, com a música, com os filmes, com os amigos, o respeito, a fé, o amor. Não havia tanta desconstrução de valores, como hoje. Por isso janelas para o passado distante arejam nossos sentimentos, recarregam nossas energias e nos ensinam que o nosso futuro é uma integração do passado com o presente.